sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

PARA REFLETIR

O professor 30 horas

Celso Napolitano*,
No sítio da Fepesp

O uso de novas tecnologias, combinado à reformulação pedagógica e também ao padrão de competitividade entre as instituições de ensino, tem alterado profundamente o trabalho do professor de todos os níveis de ensino.

A tecnologia não suprimiu postos de trabalho, nem substituiu atividades do professor. Ao contrário: ela agregou novas exigências, intensificando o trabalho docente.

Do ponto de vista pedagógico, a atividade docente tornou-se muito mais complexa. Definiu uma nova relação com o conhecimento, no qual o domínio do conteúdo se associa ao uso de ferramentas cada vez mais diversificadas.

Sob a perspectiva das condições em que o trabalho se realiza, essa mudança requer uma disponibilidade cada vez maior do professor, antes e depois da aula.

As atribuições mais tradicionais continuam existindo, mas sua execução é diferente. As atividades de preparação (e a infinidade de exigências camufladas sob o nome de "pedagógicas") consomem muito mais tempo.

Mesmo em cursos presenciais, o ambiente virtual rompeu os limites físicos e cronológicos da aula, exigindo que o professor esteja em contato permanente com a escola e os alunos. É o professor 30 horas: 6 na sala de aula, 24 à disposição do processo pedagógico.

As novas atribuições resultam, em grande parte, do desenvolvimento das redes móveis. Elas permitiram alocar para as salas de aulas ferramentas variadas. Ampliaram, também, as formas de interação entre aluno e professor fora do ambiente da classe, fato que se tornou mais evidente quando as aulas foram suspensas, em 2009, por causa da gripe suína.

Novas plataformas (blackboard, moodle etc) permitem a preparação de aulas e a disponibilização de conteúdo e atividades on line, recebimento de trabalhos e um contato permanente e individualizado com cada aluno, interessado em solucionar dúvidas, discutir problemas. Daí as redes sociais, blogs, fóruns de discussão etc.

Essas inovações também demandam recursos materiais (computadores com maior capacidade de memória, acesso por banda larga etc) custeados pelos professores. Parcela crescente do salário é usada para viabilizar o próprio exercício docente.

Compelidos por objetivos pedagógicos ou simplesmente por exigência dos patrões, o fato é que os professores destinam cava vez mais tempo fora da escola para desenvolver atividades letivas, ao custo de uma sobrecarga de trabalho que compromete até mesmo a sua saúde.

A única coisa que ainda não mudou foi o padrão de remuneração docente. Os professores continuam recebendo apenas pelas aulas que lecionam. Além de injusto, o não pagamento das novas atividades estimula as escolas a exigirem cada vez mais, já que o trabalho não representa nenhum custo adicional.

Nós, professores, reconhecemos a importância dos recursos tecnológicos na educação, mas queremos receber pelo trabalho. Uma reivindicação com amplitude para colocar em discussão não apenas o valor do trabalho, mas as condições em que ele é realizado.

Queremos estabelecer um novo paradigma nas relações de trabalho docente. Pode ser um projeto de longo prazo, mas é um caminho sem volta.

(*) Professor da Eaesp/FGV-SP e presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp) e também do Diap

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